Sentar-se

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Fukanzazengi de Mestre Dogen (excerto)

“Ao fazermos zazen, é desejável que tenhamos um quarto calmo. Devemos ser moderados no comer e beber, deixando de lado todo relacionamento delusivo. Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo detido as várias funções da mente, desistamos mesmo da idéia de nos tornar Buda. Isso vale não apenas para o zazen, mas para todas nossas ações diárias.

Geralmente um acolchoado quadrado é colocado no chão onde sentamos, e em cima disso é colocado uma almofada redonda. É possível sentar seja na posição de lótus, ou meio lótus. Na primeira, coloca-se o pé direito na coxa esquerda, e em seguida coloca-se o pé esquerdo na coxa direita. Naquela última, apenas se coloca o pé esquerdo na coxa direita. As roupas devem ser do tipo folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, coloca-se a mão direita no pé esquerdo, e a palma esquerda em cima da palma direita, com as pontas dos polegares se tocando de leve. Sente-mo-nos perfeitamente eretos, nem inclinados para a esquerda, nem para a direita, nem para frente, nem para trás. Nossos ouvidos devem estar no mesmo plano que nossos ombros e os nossos narizes alinhados com o umbigo. A língua deve estar colocada contra o céu da boca, e os lábios e dentes firmemente cerrados. Com os olhos continuamente mantidos abertos, devemos respirar calmamente pelas narinas. Finalmente, tendo regulado corpo e mente desta forma, tomemos uma respiração profunda, movamos nosso corpo para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, e então nos sentemos tão firmemente quanto um rochedo. Pensemos no não-pensar. Como assim? Pensando além do pensar e do não-pensar. Esta, a base mesma do zazen.”

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Sobre sentar-se
Koryu Osaka (1901-85, Mestre leigo da tradição Rinzai)

Gostaria de dizer algumas palavras sobre o ato de sentar e sobre a dor que quase certamente você sentirá. Alguns têm mais dificuldades ou sentirão mais dores que outros. Independentemente da intensidade da dor que você sinta, eu quero que você se sente bem. Se a dor for muito forte, não há problema em se sentar em uma cadeira. Nossa prática não é a prática do ascetismo! Como Dogen Zenji bem disse, o zazen deve ser confortável e pacífico. Assim, eu desejo que você se sente confortavelmente. Você deve fazer zazen.

Apenas sentar fisicamente na almofada não é sentar-se. Deixe o corpo sentar, deixe a respiração sentar, deixe a mente sentar. Num sentido, corpo e mente não são dois, mas um. Se você realmente fizer seu corpo se sentar, a mente também senta. Fazer esforço para realmente sentar é zazen. Apenas sentar na almofada e deixar a mente vagar, não é zazen.

Por conveniência podemos conceituar o processo de fazer zazen da seguinte forma. Primeiro, temos que sentar fisicamente. É quase como pegar um cavalo selvagem e amarrá-lo a um poste. Então, gradualmente domamos o cavalo, que fica puxando o poste, tentando fugir. O primeiro estágio, pegar o cavalo e amarrá-lo é como za, a parte “sentando” do zazen. No começo, esta parte pode ser realmente dolorosa, tanto física quanto mentalmente, sobretudo nos sesshins. Então, domar o cavalo, é a parte zen do zazen.

Originalmente a palavra zen, como você sabe, é derivada do termo sânscrito dhyana, que significa “pensando quieto”. Ao invés de deixar nossa mente consciente ficar agitada, nós pensamos calmamente. Deixamos primeiro o corpo se acalmar para, em seguida, deixarmos a mente se acalmar. Usamos técnicas como a respiração para conseguirmos isto. Concentramo-nos na respiração contando ou seguindo as respirações. Depois que nos estabilizamos, entramos em samâdhi, focalizamos em uma única coisa e tornamo-nos um com ela.

Desta forma, se a sua prática for Mu, torne-se um com Mu. Se você estiver contando sua respiração, torne-se um com a contagem. Se você fizer shikantaza, torne-se zazen você próprio. Ao fazer isto, você entra em samâdhi. Então, quando você estiver imerso em samâdhi, eventualmente você se esquece de você mesmo e transcende a dicotomia.

Esquecer-se a si próprio, às vezes é conhecido como “Homem é esquecido, homem é vazio”. Mas, nos primeiros estágios de se esquecer a si próprio ainda existe o objeto no qual você está se concentrando. Aí, você deve ir mais longe no samâdhi e aquele objeto é também eliminado. Isto é chamado “Dharma é vazio”. Então, quando aquele samâdhi amadurece, dizemos “Ambos, homem e Dharma, são vazios”. Este estado é chamado “Grande Morte”, a condição ideal do samâdhi.

Mas esta condição ideal do samâdhi é estática. Permanecer nela indefinidamente não é bom. Neste estado não há atividade, não há funcionamento. Em última instância, o samâdhi deve funcionar. O funcionamento do samâdhi é a sabedoria. Quando você realmente alcança a Grande Morte, o Grande Nascimento se realiza. Este é o processo fundamental, o principal fundamento do zazen.

Se após a primeira abertura ou rompimento, você não tiver se esvaziado completamente, o processo não está completo. Quando não está completo, o que você vê, o que você realiza, é limitado e parcial.

Em outras palavras, antes que o samâdhi realmente amadureça plenamente, você pode ter uma experiência de rompimento. Chamamos esta experiência de kensho. Estritamente falando, até que você alcance o ponto de eliminar sujeitos e objetos simultaneamente, você não pode dizer que tenha alcançado uma iluminação enquanto tal. Na experiência do kensho, cada indivíduo é diferente do outro. A clareza é diferente. Duas pessoas não experimentam kensho da mesma maneira, porque a realização e o samâdhi ainda são parciais.

A fim de entrar nesse samâdhi, seu sentar, sua postura, devem estar corretos, de outro modo sua mente fica ocupada e você não consegue entrar em uma concentração profunda. Apenas manter as costas retas não é o bastante. Coloque o peso do corpo no lugar adequado. O centro de gravidade do corpo deve cair no centro formado pelos dois joelhos e a base da coluna. Para conseguir isto, desloque a gravidade de seu tronco ligeiramente para a frente, quase como se estivesse pressionando suas duas articulações do quadril. Ao fazer isto, o centro de gravidade de seu tronco é deslocado.

Assegure-se que suas costas não estejam encurvadas. Uma postura relaxada da região lombar é uma posição muito fraca e não gera força suficiente em seu abdômen inferior. Mas esticar suas costas não é o bastante, desloque-as para a frente. Tampouco arqueie muito sua região lombar, senão começará a sentir dores. Esta disposição do tronco permite que o centro de gravidade caia no meio do triângulo formado pelos seus joelhos e a almofada. Quando você sentar, quando fizer zazen, lembre-se disso e tente deixar seu corpo realmente sentar bem.

Quando você senta deste modo, você começará naturalmente a sentir uma leve tensão em seu abdômen inferior, ainda que não faça nenhum esforço artificial ou ponha tensão nele. Eu quero lembrar-lhe de não forçar. Aqueles que estão concentrando na respiração tornam-se autoconscientes sobre ela e, inconscientemente, apertam a região do estômago para tentar respirar profundamente. Por favor, evite isto. Ao apertar os músculos em volta do estômago, o estômago não funciona. Simplesmente espere que a força no abdômen venha naturalmente e tente sentar-se adequadamente.

Para sentar-se adequadamente você deve concentrar-se no abdômen inferior, numa área conhecida como hara. Então, quando você senta, você pode imaginar que toda a energia de todas as partes do corpo flui para aquela parte do corpo e, ao mesmo tempo, sentir que a energia permeia todas as partes de seu corpo. Indo e voltando do centro, estas duas energias se equilibram. Não há nenhum conflito de energia ou poder dentro do corpo. Ao colocar o centro de gravidade na porção inferior do abdômen, você está sentando numa posição muito sólida, e a postura começa a gerar energia por si própria. É o que chamamos joriki, “poder de estabilidade”. É quase um poder físico. É o que quero que você adquira em primeiro lugar. É o que permitirá que você entre profundamente em samâdhi.